04/08/11

Notícias da Guiné - take final


Escrevo numa tarde de sesta, na casa das irmãs franciscanas de nossa senhora da aparecida, em canchungo. Apetece-me dormir, muito. Tenho levantado às 6.45 para dar formação nesta minha última semana na guiné, na qual, para além de ultimar o meu trabalho na fec, estou a dar uma ajuda aos professores da escola de canchungo, aquela onde também damos apoio com as 60 crianças apadrinhadas.

Esta minha vinda para canchungo teve vários objectivos, mas também foi muito uma escolha do coração, que queria despedir-se da guiné no local onde ele se apaixonou, mais uma vez, perdidamente, por um país africano.

Na semana anterior, estive em mansoa, a fazer uma maratona de gravação do meu programa de rádio, para deixar programas que possam ir para o ar até final de Setembro, mês em que chegará a próxima pessoa.

As minhas últimas duas semanas na guiné são em mansoa e canchungo.

Ainda bem que o mundo tem alguma ordem…

Olho para trás e vejo uma série de episódios que ainda gostaria de partilhar:

- o email surpreendente da maria grazia (a minha amiga de missão em moçambique, que ficou por lá até hoje) em que contava, com um ar animadíssimo, ter-me visto na RTP África, a dançar ao som dos Super Camarimba… as maravilhas da tecnologia! Dois países tão distantes unidos por uma televisão que passa, numa mesma língua, registos e coloridos bem diferentes! Portugal é muito mais rico por ter relações em todos estes continentes!

- as peripécias com o voto nas eleições legislativas e o seu formato estranhíssimo – recebemos uma carta do ministério dos negócios estrangeiros, com o boletim e todas as instruções. De tal formas complicadas que quase todos nos enganamos… :D depois de reabrirmos os envelopes (invioláveis!) com vapor de água, lá os tivemos de enviar por correio (!!). será que chegaram? É estranho não se ter a certeza se se votou ou não!

- o projecto no qual participei, em representação da fec, em parceria com o ministério da educação nacional e com a UNESCO, no qual estivemos a preparar o sistema de formação e certificação de professores a implementar no país. Assusta participar em algo tão grandioso e lidar com tudo isto juntando a militância com o institucional...

- o são joão que organizamos - o melhor de bissau, de certeza, mas também candidato a um dos melhores do mundo...

- as duas viagens que fiz com a ana pocinhas a bolama, ilha maravilha da natureza, que o homem conseguiu tornar ainda mais enigmática e misteriosa com a sua intervenção. momentos de beleza natural e de profundidade de uma amizade especial.

- os espectáculos do coro que foram um verdadeiro sucesso…

quem diria, emanuel, que umas canções de natal, nos corredores de casa, iriam terminar em dois grandes espectáculos em Bissau, numa “super-produção” com teatro, poesia e coro?! Foi uma grande lição de cultura e do que pode fazer o querer. Partilho em seguida alguns excertos do texto do nosso musical, para poderem conferir a sua qualidade, sensibilidade e profundidade (obrigada, carolina!).


«x - Uma onda leva sempre a outra onda, como uma terra leva sempre a outra terra e uma nova terra é sempre uma nova casa, num grande itinerário de moradas!…

y - Mas eu já tenho a minha casa, eu já tenho a minha terra…

x- Perceberás com o tempo que uma casa é um lugar que estamos sempre a conquistar…»


«Em qualquer aventura,

O que importa é partir, não é chegar.»


«x - Tenho medo!

y - Se não soubermos lidar com o medo, podemos naufragar nele, mas se nos deixarmos ir, também pode embalar-nos. No mar e no medo, nada pior do que não avançar…»


«Algumas palavras só o coração conhece: mãe, amor, saudade. Rafael não regressou, o verdadeiro fugitivo não regressa, não sabe regressar, reduz os continentes a distâncias mentais…

Escreveu num papel de carta, em rude caligrafia:

“A saudade mais sofrida é a que não se pode partilhar na nossa língua.”»


Já não tenho muito tempo para contar histórias… as últimas levo-as comigo!

Faz um ano que me despedia de canchungo, já com o coração triste pela partida.

Desta vez, quando deixar canchungo, amanhã, quase directamente para o aeroporto, não será só de canchungo que me despedirei… será da guiné, dos amigos da guiné, da minha vida na guiné… será mais outro capítulo da minha vida a virar a página…

E só me vêm à mente, e ao coração, as palavras que escrevi, neste mesmo local, no ano passado…

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