13/08/11

Já no Porto...














caros amigos que nos foram seguindo durante estes dois anos de guiné...

chegou a hora de voltar a soltar as amarras...

já estamos de novo no porto, numa das nossas "casas". já temos saudades da guiné e dos amigos que lá fizemos, mas a vida segue e leva-nos nestas aventuras.

desta vez, vai levar-nos até viana do castelo onde ficaremos a viver. será uma nova experiência! felizmente, quer eu quer o miguel ficaremos ligados a projectos de cooperação e desenvolvimento que, temos a certeza, ainda nos levarão por esse mundo fora.

obrigada por fazerem parte da nossa vida neste período tão especial. pela vossa companhia e apoio conseguimos, para além do trabalho oficial que realizamos nas nossas respectivas organizações, os seguintes feitos maravilhosos:
- a construção da escola de bidjope
- a compra de cerca de 80 packs de manuais escolares na campanha "Presentes Solidários"
- o apadrinhamento de 60 crianças da missão católica de canchungo

só com a ajuda de todos isto foi possível. agrademos a todos em nome dos que beneficiaram destas ajudas.
um agradecimento especial à manuela e à eunice, meus braços direitos em portugal, que impulsionaram todos estes projectos.

... despedimo-nos com um até breve... quem sabe nos encontraremos pelas ruas do nosso portugal... ou numas linhas escritas de algum canto desse mundo...

como dizia uma amiga, uma das grandes maravilhas desta vida é a descoberta de que o coração é elástico!...

06/08/11

Custa-me...


«Custa-me sempre partir… mas gosto de fazer as malas.

Fiz as malas mais uma vez. Já saí de casa. Já deixei Canchungo.

Nunca me é, e duvido que algum dia venha a ser, fácil deixar uma casa onde fui feliz.

Apesar de todas as vezes em que me queixei da falta de água, apesar de todas as dificuldades que a casa me fez passar, ficará sempre na lembrança como um cenário de partilha de Vida. Como cenário de experiência dura mas de crescimento, cenário de proximidade das pessoas.

De tempos a tempos, gosto de olhar para a minha vida e distinguir o importante do acessório. Descobrir o essencial.

E não apenas no sentido metafórico, gosto mesmo de poder decidir quais as coisas de que preciso para continuar a viver com paz, tranquilidade e segurança. Talvez por isso tenha sobrevivido sem grandes mazelas a viver em três países, cinco cidades, sete casas, em apenas quatro anos.

É de uma liberdade estonteante perceber que quase nada é essencial… as roupas, estas ou outras, um mínimo de produtos de higiene e medicamentos, algumas fotos, alguns livros, alguma música… sempre “estas ou outras”. Quando partimos é bom que a mala tenha espaço para permitir que o que vamos encontrar à chegada se instale nela.

O essencial está sempre connosco, se partimos inteiros. O essencial vai fazendo casa em nós. O essencial é a capacidade de fazer casa em qualquer lugar. O essencial é esse paradoxo de ir recheado com o que levamos de nosso e nos apresentarmos vazios para poder preencher com o que é novo.

Mais uma vez tive de reduzir a minha vida ao essencial, para vir a descobrir que Canchungo inteiro coube na minha mala. Essa que transporto para qualquer lado mundo. Essa que faz casa em qualquer lugar.

Gosto de fazer as malas… mas custa-me sempre partir.»

04/08/11

Notícias da Guiné - take final


Escrevo numa tarde de sesta, na casa das irmãs franciscanas de nossa senhora da aparecida, em canchungo. Apetece-me dormir, muito. Tenho levantado às 6.45 para dar formação nesta minha última semana na guiné, na qual, para além de ultimar o meu trabalho na fec, estou a dar uma ajuda aos professores da escola de canchungo, aquela onde também damos apoio com as 60 crianças apadrinhadas.

Esta minha vinda para canchungo teve vários objectivos, mas também foi muito uma escolha do coração, que queria despedir-se da guiné no local onde ele se apaixonou, mais uma vez, perdidamente, por um país africano.

Na semana anterior, estive em mansoa, a fazer uma maratona de gravação do meu programa de rádio, para deixar programas que possam ir para o ar até final de Setembro, mês em que chegará a próxima pessoa.

As minhas últimas duas semanas na guiné são em mansoa e canchungo.

Ainda bem que o mundo tem alguma ordem…

Olho para trás e vejo uma série de episódios que ainda gostaria de partilhar:

- o email surpreendente da maria grazia (a minha amiga de missão em moçambique, que ficou por lá até hoje) em que contava, com um ar animadíssimo, ter-me visto na RTP África, a dançar ao som dos Super Camarimba… as maravilhas da tecnologia! Dois países tão distantes unidos por uma televisão que passa, numa mesma língua, registos e coloridos bem diferentes! Portugal é muito mais rico por ter relações em todos estes continentes!

- as peripécias com o voto nas eleições legislativas e o seu formato estranhíssimo – recebemos uma carta do ministério dos negócios estrangeiros, com o boletim e todas as instruções. De tal formas complicadas que quase todos nos enganamos… :D depois de reabrirmos os envelopes (invioláveis!) com vapor de água, lá os tivemos de enviar por correio (!!). será que chegaram? É estranho não se ter a certeza se se votou ou não!

- o projecto no qual participei, em representação da fec, em parceria com o ministério da educação nacional e com a UNESCO, no qual estivemos a preparar o sistema de formação e certificação de professores a implementar no país. Assusta participar em algo tão grandioso e lidar com tudo isto juntando a militância com o institucional...

- o são joão que organizamos - o melhor de bissau, de certeza, mas também candidato a um dos melhores do mundo...

- as duas viagens que fiz com a ana pocinhas a bolama, ilha maravilha da natureza, que o homem conseguiu tornar ainda mais enigmática e misteriosa com a sua intervenção. momentos de beleza natural e de profundidade de uma amizade especial.

- os espectáculos do coro que foram um verdadeiro sucesso…

quem diria, emanuel, que umas canções de natal, nos corredores de casa, iriam terminar em dois grandes espectáculos em Bissau, numa “super-produção” com teatro, poesia e coro?! Foi uma grande lição de cultura e do que pode fazer o querer. Partilho em seguida alguns excertos do texto do nosso musical, para poderem conferir a sua qualidade, sensibilidade e profundidade (obrigada, carolina!).


«x - Uma onda leva sempre a outra onda, como uma terra leva sempre a outra terra e uma nova terra é sempre uma nova casa, num grande itinerário de moradas!…

y - Mas eu já tenho a minha casa, eu já tenho a minha terra…

x- Perceberás com o tempo que uma casa é um lugar que estamos sempre a conquistar…»


«Em qualquer aventura,

O que importa é partir, não é chegar.»


«x - Tenho medo!

y - Se não soubermos lidar com o medo, podemos naufragar nele, mas se nos deixarmos ir, também pode embalar-nos. No mar e no medo, nada pior do que não avançar…»


«Algumas palavras só o coração conhece: mãe, amor, saudade. Rafael não regressou, o verdadeiro fugitivo não regressa, não sabe regressar, reduz os continentes a distâncias mentais…

Escreveu num papel de carta, em rude caligrafia:

“A saudade mais sofrida é a que não se pode partilhar na nossa língua.”»


Já não tenho muito tempo para contar histórias… as últimas levo-as comigo!

Faz um ano que me despedia de canchungo, já com o coração triste pela partida.

Desta vez, quando deixar canchungo, amanhã, quase directamente para o aeroporto, não será só de canchungo que me despedirei… será da guiné, dos amigos da guiné, da minha vida na guiné… será mais outro capítulo da minha vida a virar a página…

E só me vêm à mente, e ao coração, as palavras que escrevi, neste mesmo local, no ano passado…

08/07/11

Quem é bom, quem é? :D :D

e porque o primeiro foi um sucesso, no dia 2 de julho repetimos o feito na auditório do hotel coimbra.

correu muito bem - a acústica do espaço permitiu fazer um espectáculo mais intimista, com uma outra envolvência!

os ensaios extra ajudaram a melhorar a fusão das vozes e atender aos pormenores!

foram dois belos espectáculos multiculturais, na cidade de bissau, em menos de 15 dias...

uma improbabilidade! :D

obrigada a todos que tornaram isso possível - cantores, músicos, actores... foi um belo esforço conjunto!

isto também é cooperação!

13/06/11

Espectáculo Musical em Bissau, pelos "Improváveis"


Se estiveres por Bissau no próximo Sábado, dia 18, não deixes de assistir ao espectáculo preparado por um grupo de amigos "musicais", de diferentes partes do mundo!
Será um serão diferente, em Bissau!

31/05/11

Notícias de Mansoa/Bissau II


chega ao fim mais um mês, um dos meses mais longos deste ano.

o mês de abril, ao qual ainda não me referi, teve alguns acontecimentos importantes.
foi o mês de mansoa, em pleno. após a chegada do miguel, no final de março, mansoa transformou-se em casa. o miguel ia passar comigo todo o seu tempo livre, recheando os meus dias de visitas surpresa e fins-de-semana relaxantes. mansoa tornou-se a nossa “casa de campo” e foi um local importante para nós.

foi lá que passamos a páscoa (já parece tão longe), vivendo intensamente todas as cerimónias da semana santa. na sexta-feira santa, dia 22, fizemos cinco anos de casamento, o que se revelou um momento muito sui generis. desde o nosso casamento que sempre disse que queria uma celebração especial no v aniversário, com cerimónia religiosa, família e amigos. bem, ditou o destino (e as nossas escolhas) que isso não acontecesse. a família e amigos estão fora e a sexta-feira santa é o único dia do ano em que não pode haver eucaristia… caricato, hein? mas não me dei por vencida e pedi ao padre max, meu amigo, pároco de mansoa, que nos fizesse uma pequena cerimónia de bênção de alianças, que aliás mandei fazer aqui em bissau, para marcar os cinco anos. o padre max aceitou e decidiu caprichar! e tivemos uma cerimónia memorável! ao final da tarde, andávamos nós a passear junto ao rio mansoa, ele liga-nos a pedir que fossemos ter com ele aos estúdios da rádio sol mansi, onde eu trabalho. achei estranho o local, mas… quando chegamos, ele já tinha tudo preparado – não conseguiu encontrar os missais com o rito próprio do casamento e então decidiu ir procurar à internet, no único local de mansoa que a tem… a rádio!! resumindo – eu e o miguel acabamos por trocar as alianças, a ler os ritos num ecrã de computador, num estúdio de rádio, tendo como testemunhas dois jornalistas cristãos e seis jornalistas muçulmanos… :D inesquecível! no final, e para usufruir de todos os recursos da rádio, a padre max faz um sinal ao técnico de som e lá surgiu, de surpresa, a música “abençoa, senhor, as famílias amém, abençoa, senhor, a minha também”… eheheheh parece que o choque tecnológico também já chegou à guiné… de facto, apesar de não ter sido exactamente o que tinha imaginado (a minha criatividade não dá para tanto), foi um momento muito emocionante, que nunca esqueceremos!

e foi com alguma saudade que, no final da primeira semana de maio, deixei mansoa para voltar a bissau. sobre isso, escrevi um pequeno texto para uma publicação da fec, que partilho também agora convosco:

«acabou na semana passada, na sexta-feira, dia 6, a minha estadia em mansoa e sinto que é o momento de partilhar convosco alguns sentimentos.
sei que tenho uma visão idealista sobre a vida, sobre a forma de nos relacionarmos com os outros e mesmo no conceito de missão, mas não consigo deixar de me sentir mais feliz no interior, onde tudo me parece mais real, mais sentido, mais vivido.
foi este um dos factores, aliás, que me atraíram na proposta da fec deste ano – a possibilidade de me deslocar a mansoa e de lá ficar por algum tempo.
sei que os trabalhos de coordenação são essenciais, que permitem visões mais globais e talvez chegar a mais pessoas (e parece que estou a ouvir as conversas lá de casa!) mas não há nada que me convença a fugir (durante muito tempo, pelo menos) à terra batida, à porta de casa aberta para quem passa, à calma e descontracção, à vida comunitária que o interior nos permite. todas estas coisas, aparentemente sem valor e iguais em todo o lado, são aquilo que me lembra a razão de ser da minha vida e, muito concretamente, da minha opção por áfrica – o exemplo de um homem que poderia ser tudo mas preferiu servir, lavar os pés àqueles que o seguiam; que podia relacionar-se com os poderosos, mas optou por defender e conviver com aqueles que precisavam d’ele, os mais desprezados da sua sociedade.
mansoa foi um período duro, de alguma solidão (a ausência do miguel por dois meses também não ajudou), mas que me fez regressar um pouco ao essencial!
em mim, este ano, fez-se páscoa em mansoa!»

o dia 5 de maio foi escolhido pela cplp, no ano passado, para ser o dia da língua portuguesa e da cultura em língua portuguesa. para marcarmos o dia, eu e o mussa decidimos, entre outras coisas, fazer o nosso programa - o “tabanka do português” - em directo. lá construímos o guião e preparamo-nos bem. no guião, e para partilhar o facto de ser um programa diferente, coloquei que naquele dia era um programa especial, portanto feito em directo. o mussa estranhou o facto e disse-me logo “mas as pessoas pensam que ele é sempre directo (nem há a noção do “gravado”), não podemos estragar isso agora… claro que retirei aquela parte, mas fiquei a pensar porque razão, então, fizemos o programa em directo… :D até porque acabou por ter uma série de imprevistos técnicos e eu vi-me a ter que entreter os ouvintes dando-lhes “muita música” até conseguirmos encontrar a o som da entrevista com a senhora directora do instituto camões que nos falou sobre a língua portuguesa na guiné-bissau!

pela guiné as coisas vão bem – é incrível o elan que se sente quando há estabilidade política e tudo acontece. a gb é um país onde entra muito dinheiro da cooperação, como se sabe, e um país pequeníssimo com um milhão e quinhentos mil habitantes… como eu e o miguel dizemos a brincar, há empresas multinacionais maiores e com mais pessoal – isto não deve ser difícil gerir! de facto, com o dinheiro que entra, com uma população e espaço geográfico tão pequenos, este país é um forte candidato a uma recuperação económica acelerada, sobretudo partindo do quase zero em que está. com água, electricidade e estradas alcatroadas, tudo mudava nesta guiné! é fantástico ver as mudanças que se operaram em dois anos – já conseguimos ver isso – o número de pequenas lojas que abrem, o número de produtos novos (mais europeus) que já se começam a encontrar à venda, alguma programação cultural que vai surgindo, já com algum público guineense (de elite, claro, mas começa a alargar-se a uma dita “classe média”). a via principal da cidade - a avenida combatentes da liberdade da pátria, que liga o aeroporto à praça - está virada em estaleiro já há muitos meses, o que tem provocado o caos na cidade, mas já começam a ser abertos alguns troços bem alcatroados e com valas bem construídas, o que se espera vá permitir passar melhor a época das chuvas (o ano passado era só lama e crateras!!).

o problema eléctrico do país é muito sério – segundo os técnicos (e se algum me ler, perdoe a explicação “leiga”), a guiné não pode construir barragens eléctricas, por um lado, porque não tem rios com caudal/inclinação suficiente para produzir energia e por outro, porque, pela falta de relevo de altitude, a construção de uma barragem iria alagar uma parte importante do território, inclusivamente da vizinha guiné-conacry. isso cria um grave problema que, actualmente, é suprido pelos geradores particulares e, a nível da cidade, por doações externas de combustível (quando há uma doação de algum parceiro, há luz na cidade, quando acaba, deixa de haver luz).

as energias alternativas serão o caminho a seguir mas os painéis solares ainda resolvem apenas necessidades pequenas (na minha casa de bissau, por exemplo, temos gerador das 8h30 às 20h e depois temos painel solar) e outras estão em estudo. mas há motivos de esperança, como vos queria contar. há umas semanas atrás a rádio noticiou a inauguração de uma central eléctrica de biomassa, que funciona a cascas de caju, um produto que não falta no país. fiquei muito intrigada e muito feliz por verificar que se tentam alternativas e que os avanços da ciência podem ser utilizados em favor do bem real das povos.

a reforma dos sectores de defesa e segurança são outro ponto importantíssimo no país. um dos grandes factores de instabilidade no país é o mau estar provocado pelos militares. não vou aqui discutir se é justificado ou não, mas é uma realidade. ex-combatentes que se sentem injustiçados sem apoios por parte do estado, estado esse que a quem eles deram a vida na guerra colonial; militares sem condições nos quartéis, com salários em atraso; número excessivo de militares para o número da população; promiscuidade entre o papel dos militares e o papel da polícia… nada disto tem ajudado à manutenção da paz na guiné. com a ajuda da cooperação portuguesa, da união europeia e da onu, está em curso um programa de reconciliação nacional, com base na reforma dos sectores de defesa e segurança. pode, também, ser um passo em frente.

recentemente chegou ao país uma força de segurança angolana, também neste contexto. claro que há dois lados – angola vem ajudar o seu parceiro mas também tem interesse em se afirmar como uma potência regional e a isto não deve ser alheio o facto de a guiné ser rica em bauxite… um dos grandes interesses de angola. vamos a ver o que isto dá! a verdade é que vêm com dinheiro… compraram o melhor hotel de bissau - o “palace hotel” - para se instalarem…

na cidade de bula, ao sul, está em construção um grande porto marítimo e na cidade de gabú está em implementação um sistema de electricidade de carregamentos, como nos telemóveis. um dos problemas do abastecimento de electricidade é que, mesmo quando a cidade consegue ter combustível para os geradores, a população não paga e, portanto, é sempre fundo perdido… em gabu criaram este sistema de carregamento que pode vira revolucionar o relação da população com a energia – compra-se o cartão com o montante desejado, insere-se o código no contador e ele funciona, mostrando o saldo existente. assim, as pessoas poderão gerir a electricidade que podem adquirir e que querem gastar. e o investidor, grande prejudicado até agora, tem a certeza de que o seu serviço é pago! outra grande invenção!

há, de facto, um bom sentimento no país, um sentimento de esperança, de que é desta que as coisas vão mesmo arrancar e se vai conseguir melhorar as condições de vida das pessoas. rezo para que isso, de facto, possa acontecer num futuro próximo! e para que não venha nenhum golpe de estado destruir, num só momento, o que tantos tentam construir em longos processos de formação.

este mês de maio foi longo – parece que já se espreita para o final do ano lectivo, mas, por outro lado, o calor aumenta a sensação de cansaço própria dos finais de ano.
no dia 15, como manda a tradição, choveu em bissau. é impressionante!! como é possível haver data fixa para um fenómeno meteorológico? mas a verdade é que, apesar de muito timidamente, a chuva fez a sua aparição na noite de 15 para 16 de maio, e assim ficou oficialmente aberta a época das chuvas. para já, apenas com periodicidade semanal, mas em breve, com presença regular. no fim-de-semana passado, que eu e o miguel passamos em bafatá, já tivemos direito a uma tempestade nocturna daquelas que valem a pena assistir.

este mês também houve uma explosão cultural em bissau – quase todas as sextas à noite há programa nos três centros culturais de bissau… é uma emoção! :D eu e o miguel temos aproveitado bem! desde documentários a concertos e inauguração de exposições. a última sexta-feira, por exemplo, dia 27 de maio, comemorava-se o dia da morte de josé carlos schwarz, o grande cantor guineense da resistência, um género do nosso zeca afonso, falecido num acidente de avião, pouco tempo depois da independência. nesse dia, o centro cultural português passou um documentário sobre a sua vida e nós fomos assistir. é bom poder ter a noção de “sair”, de vez em quando. concertos também não nos têm faltado – ultimamente fomos ver justino delgado, os super camarimba, atanásio atchuen, e mais recentemente, o rei da música afro-mandinga, o sambala kanute. claro que todos estes nomes eram músicos desconhecidos por nós até chegarmos à guiné, mas agora já fazem parte do nosso repertório musical. sobretudo o estilo afro-mandinga, é mesmo qualquer coisa. os mandingas são uma etnia que se instalou na guiné-bissau, sobretudo no leste, vindos do norte e leste de áfrica. são uma etnia islamizada. as suas raízes musicais são muito antigas, passadas de geração em geração pelos “griots”, algo como os nossos trovadores medievais. hoje, têm um estilo musical muito apreciado no mundo, sobretudo no âmbito da “world music”, e têm nomes sonantes no cenário musical. é fantástico como eu e o miguel conseguimos ouvir parecenças entre este tipo de música e o flamengo, do sul de espanha. depois de alguma reflexão, chegamos a conclusão que devem ser as raízes árabes que ambas têm em comum. a história é fabulosa, de facto…

nestes concertos apercebemo-nos, ainda, de uma tradição que nunca tínhamos visto. aqui, quando a plateia gosta muito do concerto que está a assistir, levanta-se do seu lugar, a qualquer altura do espectáculo, e vai oferecer notas ao cantor… é muito engraçado de ver!! claro que associamos isto às dificuldades financeiras que um cantor guineense sofre, por falta de apoio à cultura. mas é mesmo giro ver as pessoas todas entusiasmadas a levantarem-se e irem oferecer o dinheiro aos músicos, por vezes ocupados a tocar guitarra e sem mãos livres para receber o dinheiro (eheheh), como se de um ofertório se tratasse! :D

e por falar em ofertório, também vimos outra cena gira relacionada com isso. o ofertório da missa, aqui, é como em qualquer parte do mundo, passa o cestinho e a colecta é para necessidades da paróquia. no entanto, quando há algum acontecimento especial para paróquia – alguma festa, algum passeio ou outra actividade – faz-se outro peditório no final da missa. assim, e para se conseguir mais dinheiro, criaram sistemas de “marketing competitivo”, como diria o miguel – cada semana há uma estratégia diferente: um fim-de-semana o peditório é feito entre homens e mulheres, cada um tem de colocar a sua oferta num cesto diferente e, no final, conta-se o dinheiro e vê-se quem ganhou! :D claro que, como é uma questão de honra, as pessoas esmeram-se e participam mais! já vi fazerem este sistema utilizando os meses dos nascimentos, solteiros/casados… solução engenhosa, hein?

abraço para todos!

13/04/11

Kuma Ki bu Mansi? - parte I

Deixo-vos com o texto escrito pela Jacinta sobre a sua estadia na Guiné-Bissau. Aproveitem!

«Acho que nada melhor do que iniciar este breve apontamento sobre a minha 1ª experiência em África, com a frase que sai da boca dos Guineenses diariamente. E perguntam vocês “qual o significado?”Pois é, não é mais nem menos do que “Como é que amanheceste?”. Esta expressão é acompanhada de um sorriso e na maioria das vezes acrescido de um “Bom Dia”.Podemos ou não tornar o dia das pessoas mais bonito com um simples sorriso logo de manhã ao invés de uma “cara fechada”? Depois de muitos anos por terras Africanas, e após diversos convites da minha grande amiga Salete finalmente fui “VIVER” e “SENTIR” tudo aquilo que ela contava e escrevia sobre África. Agora percebo a dificuldade em explicar às outras pessoas o que é viver em África.


O turbilhão de sentimentos, sensações e experiências é intenso e os dilemas e contrariedades que se sentem são constantes e muitas vezes causadores de inquietude e desassossego. A Salete contou-me que numa das noites eu falei imenso a sonhar. O que vale é que ela não conseguiu perceber nada ;) A Guiné-Bissau foi o local de aterragem e só vos posso dizer “que embarque e que recepção!!!”O embarque, que demorou mais de 1 hora, foi marcado pelo desespero das hospedeiras com a quantidade de malas que não cabia nas bagageiras e que tiveram de ser despachadas para o porão. A recepção não poderia ser melhor :D. Autocarro à porta do avião para percorrer uns 30 metros e um conjunto de Guineenses a olhar fixamente e a demarcar as extremidades como que de um tapete vermelho. E o céu? Que luz intensa a das estrelas que mais parecia que sorriam para todos nós. No aeroporto, depois de muito tempo de espera pela mala, onde assisti a piruetas e passagens aéreas no tapete para resgatar malas, não escapei a uma bela “mexidela” na mala para ver o que trazia e como não poderia deixar de ser não me queriam deixar passar com a mala. Tive que argumentar bastante para conseguir sair. A Salete que me avistava pensou que teria que intervir mas não foi preciso. Logo de seguida senti o poder de um abraço. Sentir que os nossos portos de abrigo estão mais perto é um sentimento inexplicável. A aventura e a experiência começou de imediato...De jeep e com a janela bem aberta comecei a sentir o calor, as avenidas esburacadas, (aliás com crateras), o pó e o cheiro da Guiné Bissau. A Salete começou de imediato a explicar os locais por onde passávamos, mas confesso que não assimilei nada...estava ainda absorta a observar o ambiente nocturno, onde a electricidade não marca presença.

Chegadas à Cúria comecei de imediato a utilizar lanterna. Noite de pouco sono, mas de muita conversa. É tão bom sentir que apesar da distância, a conversa entre 2 amigas tem aquela continuidade natural... O dia amanheceu cedo com um belo banho de água fria, que no início se estranha mas depois não é mais do que um hábito. Ao pequeno almoço pude conhecer a Sónia, a jovem que ajuda os elementos da casa e que será a sereia do musical que a Salete e o Emanuel estão a preparar J. Muito eu me ri com estes dois...o Emanuel a quem eu desestabilizei tudo que ele faz tão direitinho (ai o Pensal!!!!) e que não é mais do que o explorador da casa.
A Salete, que coordena a verdadeira Agência de Viagens para amigos, preparou detalhadamente a minha estadia.Rumo a Mansoa numa 7 places, pude experimentar um dos transportes utilizados para viajar na Guiné. Este de luxo, pois a candonga é o mais utilizado pela “gente local”A maioria das viaturas está completamente bombardeada e destruída, sendo estas utilizadas acima da capacidade máxima. Nunca vi nada assim...se viram o filme “Gato Preto Gato Branco” então é mesmo isso. As carrinhas repletas de tralha no tejadilho e dentro uns em cima dos outros. O conceito de segurança não existe...se houver algum acidente morrem todos, na certa. Quando se está na Guiné não vale a pena pensar nisso, pois caso contrário não se sai da redoma.

Os meios de transporte são um dos aspectos mais caricatos da Guiné: as “toca toca” são os nossos autocarros, mas em carrinhas tipo Hiace pintadas de amarelo e azul, os táxis, as candongas e as 7 places.O táxi mais caricato que andei foi um forrado a pêlo tipo de peluche e um outro onde tivemos de pedir a maneta para abrir o vidro.Outro aspecto curioso é a rentabilização de um táxi que vai enchendo à medida que se dirige para um determinado destino e se cruza com pessoas que pretendem ficar na mesma rota. Mansoa é uma cidade pacata, onde o calor humano é intenso e as crianças sorriem e pedem para tirar “postal”. Comecei a ouvir chamar algo, ”Branco, branco”, que no início me incomodou mas que depois me fazia reagir brincando com a situação. Se algum branco pensa que pode passar despercebido pode esquecer. Parecemos umas lanternas :D.


O Carnaval na Guiné dura 4 dias. Bem, eu diria que a semana inteira, pois as escolas nos dias seguintes estavam a “meio gás”. Eu não sou, claramente, participante e entusiasta do Carnaval, mas confesso que este Carnaval despertou a minha atenção. Cada região elege o melhor Grupo para desfilar em Bissau. Comecei a sentir o espirito carnavalesco e os cheiros que no início me deixavam enjoada. Com os dias, a sensação foi passando e então depois da viagem de barco para Bubaque, no arquipélago de Bidjagós, o nariz ficou vacinado.Gostava de conseguir descrever os cheiros, mas era uma mistura tão grande e tão intensa...peixe fresco e seco, galinhas vivas, porcos, cabras, comida, vinho, o cheiro das próprias pessoas, muitas delas cansadas do trabalho, ...a essência que caracteriza o povo Guineense.

Bafatá era o novo destino a atingir de candonga que só parte se estiver repleta, considerando lugares sentados e não sentados. Com excepção das crianças que choraram porque viram 2 brancas, a viagem foi silenciosa a pensar no ambiente que me circundava e a admirar tamanha beleza natural. Pois é, a riqueza natural é incalculável. A paisagem marcada pelas planícies, cajueiros, arrozais e muita outra vegetação que torna o cenário deslumbrante. O mais ingrato é o comprimento das minhas pernas que não facilita as viagens. Algo curioso aconteceu enquanto esperávamos pela partida. Um Sr. viu que eu me ia sentar no chão e não me deixou pois achou que uma pessoa grande como eu só se podia sentar num banco. Ri-me à gargalhada pois encontrei alguém que me entende :D. Mentira...o Roberto com quem estive mede 2m e tem um problema bem maior que o meu ;)

Chegadas a Bafatá, a Mónica, amiga da Salete via FEC, levou-nos a almoçar e alojou-nos na casa que partilha com Guineenses e que é sem dúvida a que tem melhores condições da FEC.Bafatá é uma cidade incrível que me fascinou por todo o peso histórico que ela tem, mas ao mesmo tempo deixou um sentimento de revolta, por todos os investimentos efectuados que não têm utilidade para os residentes. De que valem piscinas sem água, mercados reabilitados mas longe do centro comercial da cidade? Pois é, o confronto com pequenas coisas como estas dão que pensar. Pelo menos o parque infantil, um pouco destruído, vai servindo para alegrar as crianças. Descemos ao final da tarde a grande avenida, que tem como vista final o imenso rio Geba, onde circulavam muitas crianças e onde descobri, à força pela Salete, que o “caju” que eu conhecia era a “castanha de caju”. Vivi estes anos enganada...como é possível !? A situação foi tão caricata..O circuito pela cidade foi muito relaxado e o jantar mais ainda.»