11/12/10

Notícias de Bissau III


meus amigos

estou a viver uma experiência muito interessante. estou numa cidade perto de Dakar. vim a trabalho participar numa conferência das caritas dos países da região do sahel e dos seus parceiros dos países do norte. vim, sobretudo, para servir de tradutora à secretária geral da caritas guiné-bissau, porque os trabalhos são em francês, uma vez que a fec é parceira dessa instituição.

é uma boa oportunidade ouvir as experiências de outros países vizinhos que têm problemas humanitários - há delegações do senegal, do mali, da mauritânia, do burkina fasso, do níger, do tchad - e de países que têm orçamento para os ajudar - estão presentes a caritas inglesa, espanhola, americana e francesa.

os países da região do sahel , são os países que se encontram dentro de uma faixa do continente africano, da costa ocidental à oriental, que estão numa zona em desertificação e que é muito vulnerável a situações de crise como as secas e as inundações. para além disso, quase todos têm instabilidade política, o que agrava os factores económicos.

em todos estes países, a caritas (a ong da igreja católica em todo o mundo. é a acção social da igreja e está organizada por dioceses. é a segunda maior ong do mundo, a seguir à cruz vermelha) tem um papel fundamental na resposta às populações em situações de crise provocadas por catástrofes naturais.

o congresso em que estou a participar é um dos encontros que este grupo de trabalho dinamiza anualmente, para tratar destas preocupações comuns. o tema deste ano é: “os desafios, as oportunidades e as perspectivas da agricultura no sahel”.

é um tema de extrema importância porque tenta abordar as formas de prevenção da fome em situações de emergência ou catástrofes naturais. de facto, e esse é um tema muito discutido nos países africanos, seria de uma extrema importância que cada país africano conseguisse assegurar a sua segurança alimentar de forma a evitar as fomes, a evitar a sua vulnerabilidade e dependência do clima ou da ajuda internacional.
está a ser uma experiência muito interessante para mim. a verdade é que até há bem pouco tempo não sabia muito sobre o assunto. já tinha ouvido o miguel falar sobre isto porque este é um dos domínios da tiniguena mas só agora, ao preparar-me para a conferência que tive de fazer sobre a situação na guiné-bissau, é que me dediquei verdadeiramente ao assunto. e estou a aprender muitíssimo.

a cartitas guiné-bissau está a participar, pela primeira vez, neste encontro porque o país tem zonas, sobretudo no leste e no norte, onde a desertificação (geográfica, não no sentido de fuga de população) se começa a notar, bem como outras consequências das alterações climáticas (subida do nível das águas do mar que está a provocar a salinização das águas dos rios, o que, por sua vez, está a pôr em perigo o cultivo do arroz, por exemplo).
a apresentação da guiné-bissau foi esta tarde e correu muito bem.

para além disso estão a saber-me bem estes dias “fora” da rotina. é sempre bom viajar e conhecer outras realidades, outros problemas, ter outros desafios.

o mês de novembro foi um mês cheio de trabalho na rádio e na fec. em fevereiro próximo a fec irá celebrar os 10 anos de existência na guiné-bissau e já estamos a começar os preparativos. o programa de rádio “tabanka do português” continua o seu caminho e estamos a conseguir chegar a cada vez mais população, uma vez que estamos a distribuir o programa por diversas rádios comunitárias onde a rádio nacional não chega. é bom!

no mês passado fui a canchungo várias vezes – uma porque aproveitei uma boleia e queria muito ir ver o meu pequenote, o uyé; outra porque fui a um pic-nic organizado pelo colega que agora está em cxg aquando do seu aniversário, e outra porque levei os meus amigos portugueses que me vieram visitar.

é verdade, recebi os meus primeiros visitantes desde que cá estou e é uma experiência muito agradável poder mostrar a minha terra aos meus amigos. tentei organizar tudo o mais possível, uma vez que não há propriamente “pacotes” vendidos nas agências de viagem portuguesas. acho que os meus amigos não se arrependeram de ter vindo.

com eles fui visitar a escola de bidjope, aquela construída com fundos recolhidos em portugal (talvez mesmo por ti, que estás a ler este texto), a missão católica de canchungo (onde já temos cerca de 40 crianças apadrinhadas), e muitos, muitos sítios bonitos na guiné. neste preciso momento devem estar para bafatá, depois de um fim-de-semana nas ilhas!

tenho outra novidade para contar, quase esquecia!
eu e o emanuel, um colega meu vizinho, achamos que o espírito natalício estava fraco por aqui – nada de frio, de cachecóis e gorros, de símbolos natalícios, de família (as nossas, pelo menos), de música, de neve… tudo a que o natal nos habituou desde a infância. :D andamos então uns tempos a cantarolar “christmas carols” pelos corredores da casa e do trabalho… até que nos lembramos: e se organizássemos um concerto de natal/ano novo??? e se bem o pensamos… melhor o fizemos! tomamos a iniciativa (difícil!!) de unir cooperantes de várias nacionalidades em prole de um objectivo comum. falamos com o pároco e o coro da catedral de bissau e… voilà!! teremos um concerto no dia 29 de janeiro, de início de ano (depois dos cooperantes voltarem de natal, por isso a data tão tardia!) com o coro da catedral e cerca de 20 cantores amadores, de diversas nacionalidades, cheios de boa vontade, que se uniram pela simples razão de gostarem de cantar! estou toda entusiasmada!!

para dar uma ideia de universalidade, escolhemos músicas de natal em diferentes línguas - latim, português, inglês, francês, italiano, alemão - e terminaremos todos a cantar uma peça em crioulo. para além disso, e porque o coro da catedral também canta connosco, estamos a tentar uns arranjos bem multi-culturais! já imaginaram um “adeste fideles” cheio de ritmo, ao som do batuque? asseguro-vos que fica fantástico! estilo “fusão” :D (e o nosso d. joão iv que nos perdoe!)

o mês de novembro foi também o mês das celebrações da independência de angola. o centro cultural português, em parceria com a embaixada angolana, passou diversos filmes e documentários sobre angola e eu tentei ir sempre que pude. passaram filmes muito interessantes mas quase todos chocantes – quer sobre o tempo colonial, quer sobre o pós-independência. será que é agora que angola encontra o seu caminho? ou será que vai voltar a perder-se nos meandros do petróleo, criando uma luanda desfasada do resto do país, uma luanda de e para brancos e elites, esquecendo a população? …

em cacheu teve lugar um grande acontecimento – o festival dos quilombolas. com muita pena minha não pude assistir a nenhum espectáculo, mas, afortunadamente, acabei por assistir ao encerramento, em bissau.
explico – a guiné-bissau era um dos locais privilegiados pelos portugueses na captura de escravos para o brasil. os negreiros aproveitavam-se das lutas étnicas desta região e faziam negócio com algumas etnias mais fortes que lhes vendiam os negros que faziam prisioneiros em etnias mais fracas. todos sabemos como estes escravos chegavam ao brasil – acho que não há ninguém que não se lembre das imagens dos barcos negreiros dos livros de história…
alguns destes escravos mais fortes, conseguiam fugir aos seus senhores e refugiavam-se nas matas brasileiras. conforme se iam juntando, criavam comunidades chamadas de quilombos. muitos brasileiros na actualidade provêm destes quilombos e denominam-se de quilombolas. um grupo específico de uma região brasileira decidiu fazer pesquisas sobre os seus antepassados e descobriu que descendiam de escravos provenientes da região de cacheu e decidiram organizar uma visita à terra dos seus antepassados.
foi uma experiência fantástica – cacheu engalanou-se toda para receber os “familiares brasileiros”. foi uma semana de festa, música, dança, comida… eram esperadas mais de 500 pessoas em cacheu naquela semana! algumas ongs apoiaram o evento, assim como a embaixada brasileira. o encerramento teve lugar no centro cultural brasileiro e foi uma cerimónia muito animada à qual eu tive a sorte de assistir!

e cá fica mais uma partilha!

até breve e bom espírito natalício…

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