14/10/10

Notícias de Bissau I


após quase dois meses cá estou eu de volta à partilha no meu “nô djunta mon”. para não variar, começo por pedir desculpa por estar ausente tanto tempo… :D e sei que me perdoam, até porque acabei por falar ou estar com muitos durante os dias em que estive pelo porto.

o mês de agosto, depois da mudança de canchungo para bissau, trouxe-nos alguns momentos de paz. Eu, em relativas férias, o miguel em ritmo lento, uma vez que era dos poucos que não tinha férias e, portanto, a tiniguena estava a meio gás. Foi bom, depois de alguns meses mais afastados, voltarmos a ter tanto tempo para nós.

a chuva foi tanta, tanta, que bissau inteira alagou e pouco saímos de casa. o bom foi que, sempre que chovia (e isso foi quase sempre), o tempo refrescava um pouco.
no final do mês, viajei para portugal para passar uns dias pelo norte, antes de iniciar a formação de preparação para o ano, em lisboa. custou-me deixar o miguel mas foi muito bom ter tempo para a família e os amigos. é tão bom voltar e parecer que nem saímos, sermos acolhidos com braços abertos por todo o lado. se me perguntassem qual é, para mim, a vantagem de se ser “emigrante”, eu diria essa – a possibilidade de voltar e ser recebida com um abraço por tantos. não deveria ser assim… deveríamos sempre dar valor aos que temos à volta, mas a verdade é que a distância também nos ajuda a atribuir esse valor (e falo tanto por quem fica como por quem parte!).

apesar do pouco tempo, este foi muito bem aproveitado e, nos entretantos, deu para descansar um pouco.

lisboa foram quase duas semanas em “terra de ninguém”… desculpem-me falar assim, mas foi mesmo um sentimento estranho. não tinha os meus, não tinha o miguel, a equipa nova da fec ainda não era “a minha equipa”… foram dias estranhos e até um pouco difíceis mas… tudo se leva quando há um “bem maior”.

durante estes dias pude perceber melhor as actividades que me estão destinadas para este ano e pude apoiar um pouco os novos colegas na abordagem à realidade guineense e suas próprias actividades.

apeteceu-me muito regressar à guiné, apesar das saudades já sentidas pelos que, mais uma vez, iria deixar. foi bom o miguel ter ficado – deu-me uma razão para voltar (ainda que houvesse outras, claro).

mas nem assim consegui deixar de sentir o frio no estômago ao aterrar no aeroporto osvaldo vieira… aquele avião não é só um transporte no espaço… de cada vez que faço esta viagem sinto que viajo para tempos e dimensões diferentes… acho até que já escrevi sobre isto…

o miguel estava à minha espera no aeroporto, claro está, e como já conhece tudo e todos em bissau – tem amigos por todo o lado, é impressionante – já estava lá dentro, logo após o carimbo dos passaportes…

bastou um olhar para que o frio na barriga passasse e voltasse a estar em casa!

depois de um fim-de-semana a dois, em que voltamos a mudar de casa (8ª casa, desde que casamos!), parti para ndame, uma missão, perto de bissau, onde toda a equipa da fec, incluindo todos os guineenses, se reuniu em formação e team building. foi uma semana muito interessante!

o sítio é fantástico, mesmo ao estilo de missão – muito verde, muito ar livre, um céu imenso, muitas estrelas, banquinhos colocados nos sítios certos… austero a nível material mas pleno a nível espiritual. o que se pode desejar mais? como alguém dizia, depois das semanas loucas em portugal a tentar aprender tudo na formação, com imensas burocracias para tratar e com todo o stress das despedidas, é óptimo ter uma semana assim, com tempo para nós, para nos centrarmos no sentido do que estamos aqui a fazer.

gostei mesmo muito – de dia tínhamos formação sobre o trabalho, e já trabalhamos mesmo naquilo que irá ser o ano de cada um de nós, e à noite havia sempre equipas designadas para os momentos de animação que foram mesmo animados. o miguel, para se meter comigo, diz que pelo que eu conto foi mais uma semana de “campo de férias” do que de formação. :D mas eu não tenho nada contra. só quem nunca fez “campos de férias” é que não sabe o que perdeu!! :D

a última semana de setembro começou com cada equipa a ir para o seu posto de trabalho – canchungo, bafatá e bissau.

por solidariedade, e com uma lágrima no canto do olho, fui acompanhar a equipa de canchungo. Ainda me lembro do choque que tive quando chegamos, sozinhos, e vimos a casa… quisemos amparar um pouco o choque! :D mas a aventura estava reservada para nós… na viagem de ida, furamos um pneu do nosso jipe… não há viagem a canchungo em que não nos aconteça alguma coisa! mas bem.. apesar de não termos macaco (!!) lá nos arranjamos com a ajuda do carro da fec. afinal, havia pneu suplente e isso é o mais importante! estar lá foi óptimo, sobretudo por poder rever os amigos. é engraçado ir na rua e ouvir o nosso nome - “miguel, lassa” – sempre acompanhado de grandes sorrisos e braços a acenar… isto vai-me fazer falta!

no regresso, nova aventura - furamos outro pneu… mas agora, nem macaco nem suplente! lá voltamos para trás, para a povoação mais próxima, bula. o sol a pôr-se, quase escuro… lá encontramos (graças a Deus o Cirilo estava connosco) um senhor que tinha pneus. depois de muito procurar na sua improvisada oficina, com as lanternas e as luzes dos telemóveis, o senhor acabou por encontrar um pneu igual que servia no nosso jipe. quando o encheu percebeu que estava furado mas, como o furo era pequeno, colou-o para podermos chegar a bissau em segurança. e foi isso mesmo que o pneu durou! quando chegamos a bissau e paramos para jantar ele ainda estava razoável, mas quando saímos, encontramo-lo completamente em baixo. acabamos a noite a ir para casa de táxi! foi uma bela recompensa pela boa vontade! :D

a semana passou comigo a ser apresentada às pessoas com quem me irei relacionar durante o ano – jornalistas da rádio sol mansi (rsm - uma rádio nacional equivalente à Renascença) de Bissau e jornalistas da rsm de mansoa. serão o meu público-alvo, como os projectos gostam de dizer! ainda muito trabalho de escritório, muitas reuniões de preparação… o necessário para enraizar bem este início, de forma a ficar bem forte para o terreno.

na quinta dessa primeira semana já fui a mansoa gravar o meu primeiro programa de rádio – “tabanka do português”. foi muito engraçado! nunca tinha trabalhado numa rádio e foi interessante ver como tudo funciona, mesmo sem as mais altas tecnologias. o programa é apresentado por mim e pelo meu colega guineense, o mussa, e funcionou muito bem. treinamos o texto algumas vezes para que ele se sinta à vontade na leitura e partimos para a gravação. também gostei muito de sugerir as músicas para o programa e elaborar as matérias para as diferentes rubricas do programa – passatempos, poemas, comparação do crioulo com o português, etc. ainda vou descobrir que também nasci para isto!! :D

no regresso dessa viagem a mansoa, percebi que um dos pneus do meu jipe estava muito vazio e enchi-o antes de regressar a bissau. a viagem correu bem, mas quando cheguei a casa, percebi que tinha furado outro pneu… haja paciência! três pneus em cinco dias! deve ser um novo recorde! :D

vou fazer esta viagem todas as semanas durante este ano e é algo que faço com muita felicidade. geralmente faço a viagem sozinha, o que me permite deixar a cabeça viajar para onde ela quer, enquanto o meu “piloto automático” tenta fugir aos buracos, causados pelas chuvas diluvianas que caem há cinco meses e causadores de tantos estragos nos carros.

sabem-me tão bem estes momentos! a paisagem é fantástica – são 70 quilómetros de rectas, variando entre vegetação intensa e bolanha (os campos de arroz). nos percursos de vegetação cheira sempre à multiplicidade de verdes existentes, geralmente mais do que aqueles que se podem observar, nos de bolanha cheira a água forte, água que submerge os arrozais e permite sobreviver na guiné. já se vêem muitas pessoas metidas nessas águas até ao peito (nunca entrar em águas paradas – dizem-nos na consulta do viajante!). ainda não é tempo de apanhar o arroz, mas é necessário cuidar da bolanha, vai um ano de muita chuva este, e é preciso aproveitá-lo bem.

pelo caminho, muitas pessoas a pé, idas ou vindas do trabalho do campo. crianças que nos acenam, enquanto nos gritam um “brancoooooooo, umpeleleeeee” que fica a soar por alguns instantes. não consigo nunca controlar o grande sorriso que me vem imediatamente… por vezes grito um “preto, umbaaaaaau”, em resposta, o que provoca uma explosão de gargalhadas nos pequenos… se fosse sempre assim tão fácil lidar com as diferenças ao longo da vida, pela sua simples enunciação a plenos pulmões…

aproveito estas viagens, em que me sinto totalmente em comunhão com a natureza e com tudo o que me rodeia, para agradecer a Deus tudo o que de maravilhoso vai acontecendo. agradeço por mim e até por aqueles que não sabem o que é a gratidão. são momentos de grande intensidade para mim, as viagens.

voltando ao trabalho que faço, esta segunda semana já foi uma semana-tipo: às segundas estarei no escritório da fec, em bissau, a tratar do plano de comunicação da instituição (temos publicações impressas e on-line regulares que é preciso alimentar com material fec-gb, diversas campanhas e, particularmente este ano, a celebração dos 10 anos da fec- gb); às terças, quartas e sextas estou na antena da rsm, em bissau, a ajudar a preparar o material para os blocos noticiosos em português, orientando os jornalistas, corrigindo as suas peças, ajudando na dicção e entoação da pivot, entre outras coisas; às quintas vou, então, a mansoa, à antena da rádio, gravar o programa “tabanka do português” e dar apoio ao programa lusofonias. este programa passa em portugal na rádio sim e é feito pela fec com o apoio de rádios nos diversos países lusófonos. aqui da guiné sai uma pequena peça semanal para integrar o lusofonias e eu estou encarregue de prestar apoio ao colega guineense que tem essa incumbência. para além disto, às sextas, mensalmente, dou formação em sala aos jornalistas da rsm e das outras seis rádios de bissau, no sentido de os capacitar num melhor uso do português na redacção e leitura das suas notícias.

por causa da rádio e da obrigação de ajudar à elaboração de cada bloco noticioso, estou cada vez mais a par das notícias e dos acontecimentos e… só me dá pena da guiné e dos guineenses… mereciam melhor do que isto!

ao fim do dia, das cinco às sete, estou a frequentar um curso de francês, no centro cultural francês (muito forte aqui devido a esta ser uma zona francófona), que dá acesso aos exames franceses e ao respectivo certificado internacional. quem sabe para que me poderá servir? nunca sei em que país estarei a seguir, portanto… estou a adorar rever os meus conhecimentos de francês e tenho a sorte de ter uma excelente professora francesa, o que é uma grande vantagem.

tempo muito ocupado (apesar de ao ritmo próprio da guiné), portanto, e muito contacto com guineenses, como eu desejava. evito, a todo o custo, cair no circuito dos “brancos de bissau”, onde é possível habitar sem ter contacto com a realidade africana. não é isto que eu procuro!

o miguel, por sua vez, também continua com imenso trabalho e responsabilidade, decorrentes da sua função na tiniguena e na sua forma apaixonada de abraçar tudo aquilo em que acredita. as coisas estão-lhe a correr bem! neste preciso momento está para cantanhez, uma zona de mata, de uma intensa biodiversidade, onde a ong tem diversos projectos ligados ao ambiente e ao desenvolvimento local. apesar de ir sempre contrariado (resiste sempre a ter de trocar o seu cantinho onde sabe que tem luz e água e comida que gosta, por uma aventura no mato onde nada disso existe e onde come peixe com arroz a todas as refeições…), acaba por adorar cada missão que faz no interior e traz sempre novas histórias para contar.

neste último fim-de-semana fui a canchungo matar saudades, mas esses episódios, e outras teorias que ando cá a magicar, ficam para outro dia.

deixo-vos só com uma frase, que me escreveram uma vez, e a qual encontrei ao desfazer novamente as malas no nosso novo cantinho.

sorri e fiquei mais disposta a gostar de bissau e das suas gentes:
“vejo Deus nos rostos dos homens e das mulheres, e no reflexo das minhas feições no espelho. encontro pelas ruas as cartas que Deus deixou cair e cada uma está assinada com o Seu nome. e ali as deixo, porque sei que aonde quer que eu vá, outras aparecerão para todo o sempre.”
walt whitman

2 comentários:

Hortense disse...

optimo ver que a tua vocaçao para trabalhar na radio ta a resultar bem salete... como era de se esperar ;) Entao e essa selecçao musical tem incluido algum best-seller tipo uma sonatazita para fagote de Saint-Säens??? E Mozart?? eheh Beijokitas grandes e um xi-coraçao aos dois * hortense

Lurdes Silva disse...

Olá, fico feliz em saber que esta nova aventura está a correr bem.
A impressão que tenho é a da que se dará bem no que quer que decida fazer, seja rádio, ou outra actividade qualquer, pelo pouco que conheci, deu para notar que é uma pessoa empenhada e decidida que sabe o que quer.
Tenho muito orgulho em ter sido sua formanda, e sei a sorte que todas essas crianças têm em a conhecer.
Desejo-lhes tudo de bom e muito sucesso nesta jornada, continue a dar noticias, que há sempre quem goste de ler. Fiquem bem.
Bjos doces