22/03/10

Notícias da Guiné VIII

I Kuma, amigos?

Este mês estamos bastante em falta, mas a verdade é que temos justificações para isso :D

A primeira é que o trabalho, como eu já contava no último email, está a ser muito forte este mês, e a segunda é que, como não tenho ido a Bissau (há dois fins-de-semana seguidos que não vou), fico sem net para poder enviar o texto e as fotos…

Mas cá estou eu a redimir-me da ausência!

Desde o último post, tantas coisas mudaram…

Primeiro, o Miguel já tem 40 anos! :D Foi um momento engraçado esse. Não é fácil passar os anos longe da família e dos amigos. Para o Miguel, sobretudo, foi difícil não passar o aniversário com a mãe, uma vez que fazem anos no mesmo dia. Foi a primeira vez que não estiveram juntos. No entanto, por aqui, tudo fizemos para que ele não sentisse as saudades… e, claro… o peso dos 40! :D

Ele deve ter tido 3 ou 4 festas, pois todos quisemos festejar – começou com um jantar melhorado, no dia 27, em Canchungo. Eles foram comprar uns camarões do tamanho do prato e ficaram a noite toda a comer apenas camarões, sempre bem regados com uma “geladinha”; no dia 1, já em Bissau, fizemos um jantar com a equipa toda da FEC e mais dois amigos, foi muito animado. Como o próprio Miguel disse no seu “discurso”, quem diria, há sete meses atrás, que iria passar o seu 40º aniversário (um marco importante na vida) com 16 pessoas que nem sequer conhecia nessa altura. Inacreditável! Mas é a realidade, e não é má! Apenas diferente! Depois fomos dançar na noite de Bissau (que também a há, e bem animada!). No dia 2 houve mais festa! A Catarina, uma das nossas amigas da FEC (a que foi comigo a Catió), também fazia anos no dia 2 e preparou um lanchinho, à hora do pôr-do-sol, nas varandas da Pensão Central. Mais festa, mais coisas boas para comer, mais parabéns… :D E há noite ainda tivemos barriga para um bacalhau (o primeiro que comemos desde Outubro!) num restaurante português, com os nossos dois grandes amigos Cirilo e João.

Reparo agora que nunca vos falei na Pensão Central, o que é imperdoável. A Pensão Central é uma pensão gerida por uma senhora cabo-verdiana, a Dona Berta (“avó Berta” para metade dos brancos de Bissau) desde sempre. Ela é uma figura emblemática da cidade e a pensão parece ter sido um local belíssimo, situada mesmo na praça, ao lado da Igreja e dos Ministérios. Hoje, como toda a cidade, parece em ruínas… Para a FEC, e quase todos os brancos cooperantes que passam por cá, o local é uma referência – é onde as pessoas se juntam para contar e ouvir coisas da terra, para comer uma boa comidinha, para encontrar os amigos. Procurem na net e encontrarão muito sobre a Pensão Central e a “Avó Berta” (tem fotos acompanhada de toda a gente importante que por cá passa e já foi agraciada com muitas medalhas de mérito, até pelo governo português). No ano passado a Dona Berta ficou doente e regressou a Portugal, aliás, foi lá que a conheci durante a formação que fiz em Lisboa, na FEC. No entretanto, algumas pessoas que já cá estavam, decidiram pegar na Pensão e andar com aquilo para a frente durante a doença da Dona Berta. E fizeram-no bem, porque a Pensão continua. Já não se alugam quartos para fora, só para amigos e, de preferência por um tempo longo. Está engraçada, parece uma espécie de residência universitária. Eu e o Miguel ficamos por lá quando vamos a Bissau. A Dona Berta regressou no início deste ano, o que é um novo atractivo na Pensão – há sempre imensa gente a visitá-la! O melhor da Pensão são, sem dúvida, as varandas! Delas vê-se toda a avenida principal (como acham que tirei aquelas fotos “aéreas” do carnaval?) da praça do Império até ao rio… E corre um ventinho fresco! Nas noites de calor (ou seja, todas) não há melhor do que as longas conversas na varanda da Dona Berta!

E foram os festejos, prolongados, do aniversário!

No dia 6, regressamos a Bissau porque teve lugar um momento importante para a FEC – a entrega de certificados aos envolvidos no projecto anterior, o +Escola, que terminou em Julho de 2009. Foi um momento tão bonito! Estiveram presentes o Ministro da Educação, o Embaixador de Portugal, e representantes dos principais parceiros da FEC aqui na Guiné – a Igreja Católica, a SNV e a Plan (outras ONGs na área da Educação). A cerimónia teve lugar no Centro Cultural Português e teve várias partes – começou com a apresentação pública dos resultados da avaliação do impacto do projecto da FEC 2001/2007 (é sempre útil podermos medir o que foi feito, o que mudou, o que correu melhor e pior), pela Catarina; depois o coordenador da FEC na Guiné, o Simão, apresentou alguns resultados já apurados sobre o projecto +Escola (ainda está a ser feito o estudo de avaliação do impacto, mais a fundo); em seguida discursaram todas as personalidades presentes, louvando o trabalho da FEC na área da Educação da Guiné (Viva nós! Viva nós :D), a cooperação portuguesa e todos os envolvidos no processo; seguiu-se a entrega dos certificados aos professores e directores que participaram no processo de formação (certificado reconhecido pelo estado para a evolução da carreira docente, ainda em fase de organização) e, por fim, um director da região de Bafatá e outro de Cacheu, discursaram. Foi muito emotivo… acabou tudo em palmas, de pé e com centenas de fotos! Foi um momento bom, daqueles que dão alento para continuar a trabalhar mesmo quando tudo parece negro e sem luz ao fundo do túnel. Mesmo para a equipa foi um momento de união importante até porque todos estávamos a torcer por aqueles que participavam activamente – o Simão, coordenador do projecto, a Ana A., coordenadora da área da Educação, a Catarina, técnica de avaliação, a Ana Poças e o Cirilo, formadores no projecto anterior, que fizeram as honras à casa, com uma apresentação lindíssima (estavam os dois vestidos a rigor) e uma presença muito simpática!

O Miguel e o Cirilo, à custa desta cerimónia, fartaram-se de dar entrevistas à rádio! E aparecemos todos nas notícias da RTP África! Lá estava eu com o meu vestidinho vermelho, o único apresentável que trouxe! Foi uma boa oportunidade para poder sair do armário! :D

E, não fartos de festas, ainda tivemos espírito para, no feriado de dia 8 de Março (sim, porque aqui o dia da mulher é feriado!), nos juntarmos em casa do Simão e da Ana numa tarde de jogos – Trivial, Time’s Up, King… Soube bem!

Só festas… em Bissau é só festas! :D

E não tenho saído de Canchungo desde essa altura. O que não quer dizer que as novidades não aconteçam!

Esta semana fiquei toda contente com uma situação – o inspector Ernesto (inspector do Ministério, a quem nós damos formação de Gestão e Administração Escolar, mas que também trabalha para a FEC ao ser um dos meus formadores de Língua Portuguesa) foi connosco visitar Bidjope por causa da nova escola que estamos a ajudar a construir. Durante a viagem foi o caminho todo a gabar imenso as nossas iniciativas de formação a todos os actores do processo educativos, desde os professores às comunidades, etc, etc, etc. Eu já ia toda contente, é claro!

Mas o que mais me alegrou foi o discurso que ele teve com os elementos da tabanca que estavam presentes. Para além do já famoso discurso sobre “as maravilhas da FEC”, ele contou uma coisa que me surpreendeu e que foi a prova de que nem sonhamos como podemos, de facto, marcar a vida das pessoas. Segundo o discurso dele, há um “Ernesto antes da FEC” e um “Ernesto depois da FEC”, porque tem aprendido muitas coisas connosco (ele que é professor e inspector há mais anos do que aqueles em que eu habito este planeta :D). Deu muitos exemplos sobre aprendizagens que tem tido com o nosso contacto e dois tocaram-me profundamente: um, foi o de dizer que connosco aprendeu a ter criatividade e ânimo, pois o nosso trabalho, ver que alguém de fora está tão empenhado na qualidade do ensino da Guiné, faz o dele valer a pena; o segundo foi o de contar, sem qualquer tipo de problema, que se inspirou nos nossos documentos de formação para elaborar um programa de formação para um concurso que abriu numa ONG à procura de formadores para leccionar no parque de Cacheu conteúdos sobre a vida selvagem, preservação e outras coisas dessas. E ele fê-lo de tal forma correctamente, que foi ele o seleccionado e está a ganhar 40.000 por dia (cerca de 60 euros) nesse projecto. Não é fantástico? Mais do que aprender só conteúdos, ele aprendeu a forma de fazer as coisas, o processo, e isso já lhe serviu para melhorar a sua qualidade de vida. E hoje agradeceu publicamente à FEC, lá na comunidade, porque sem nós não teria aprendido a fazer um bom programa de formação e não teria ganho o concurso.

Fiquei muito orgulhosa do meu formador e do trabalho da FEC! Afinal, apesar da educação ser uma área onde os resultados não se conseguem medir nem sentir rapidamente, porque acontecem ao nível da estrutura de uma sociedade, por vezes temos destas boas surpresas que nos alegram os dias mais cinzentos.

E por falar na escola de Bidjope - já tem os tijolos prontos, já tem as traves da madeira prontas, só falta a decisão final acerca da localização da escola (há dois terrenos possíveis e estamos perante um impasse cultural entre manjacos e balantas… veremos o resultado, que ficou marcado para amanhã, segunda, dia 22!). Também já há dinheiro suficiente e aproveito para agradecer a todos os que fizeram o esforço de nos ajudar neste pequeno sonho! A FEC já se informou dos preços dos materiais, do orçamento e, em breve, adquiriremos todos os materiais necessários à construção da escola, que terá duas salas, um gabinete e um pequeno armazém.

Para a Eunice e a Manela, um obrigada especial por todo o esforço, dedicação e logística! Quando a escola estiver pronta penso mandar fazer uma placa a dizer “Com o apoio da FEC e da Associação A Ponte Amiga”, o que acham? Recordo ainda que quem enviou donativo e precisa de recibo, pode enviar os seus dados (nome completo, NIF e morada) para o meu email que a FEC enviará o recibo para casa.

Quanto à outra actividade que temos levado a cabo, ainda que sem grande publicitação pois para já tem sido quase ainda apenas entre família, a dos apadrinhamentos de crianças no sentido de lhes conseguir pagar a escola na Missão Católica aqui de Canchungo, tem também sido um sucesso – em poucos meses conseguimos apadrinhar 15 crianças, o que é fantástico! O nosso Uyé tem ido ao Jardim e tem-se portado muito bem e evoluído imenso nestes poucos meses. Ontem levei à Irmã o valor que me enviaram de Portugal para estes miúdos e ela ficou comovidíssima. São 15 crianças que teriam de abandonar a escola e poderão continuar nela, uma vez que os seus estudos são financiados por madrinhas ou padrinhos de Portugal. Obrigada também a todos os que participaram. Parece que na Páscoa terão uma surpresa… Ou não fossem madrinhas!! :D Quem estiver interessado em apadrinhar pode contactar-me ou contactar a minha irmã Manela (manecoelho@gmail.com) que é a pessoa que está a orientar o processo aí em Portugal.

Bem, de resto foi trabalho, trabalho, trabalho… sem tempo para passear, com grande parte dos fins-de-semana a trabalhar. Visita às escolas das tabancas todas as manhãs, e algumas ficam a mais de uma hora de caminho para dentro do mato, e muito trabalho administrativo e logístico da parte da tarde. A isto ainda temos de juntar os encontros semanais com os formadores que eu coordeno para preparar as formações intensivas do final do período – 2 sessões de Português, três de Pedagogia e cinco de Português a leccionar aos professores das Missões Católicas. Tudo a ser leccionado em seis dias. Uma vez que eu tenho que observar as sessões dos meus formadores, vejam o quanto eu terei que percorrer naqueles seis dias finais no mês (seis turmas em locais muito distantes).

As horas e a temperatura também não têm ajudado… Como as aulas começam às 8 horas da manhã, eu tenho de sair cedíssimo de casa para chegar aos locais a tempo. Como não temos carro e tenho de alugar uma daquelas 7 places que andam muito devagar, chego a ter de sair com uma hora e meia de antecedência, ou seja, há dias em que saio de casa às 6.30 da manhã! Esta semana aconteceram-me dois percalços com o transporte – num dia atropelamos uma cabra! Nada de anormal, uma vez que andam todo o tipo de animais na estrada. Eu até andava a estranhar ainda não ter morto nada! O pior foi que com o embate estragou uma peça do carro e foi por sorte que conseguimos chegar ao destino. Outro dia o caminho era mesmo muito mau, com muitos buracos, e como o carro é baixinho, raspava com o fundo e acabou por romper o depósito do óleo. Dessa vez ficamos mesmo no caminho… Ai estas aventuras!

E agora o calor começou a apertar a sério! De vez em quando vem um ventinho que começa a puxar a chuva, mas ela ainda não quer vir! Há-di chegá! Por agora só o sol a queimar e o pó no ar. Depois de vir da tabanca (hora de almoço, pelas 13) e até às cinco da tarde não se consegue sair de casa nem do escritório. A verdade é que comecei a ser fã da sesta!

Já quase me esquecia de dizer que no final da semana do Carnaval, que fui passar a Bafatá, consegui finalmente conhecer o irmão do Roberto! Foi fantástico poder abraçar o irmão de um grande amigo, uma pessoa com quem eu já tinha falado por telefone, há muitos anos, logo na chegada do Roberto ao Porto, e que nunca imaginei poder conhecer. Tiramos fotos para enviar ao Roberto, claro está!

E deixei as duas principais novidades para o fim: a primeira é que decidimos ir a Portugal passar a Páscoa, o que deixou as nossas famílias muito contentes e já nos pôs a contar os dias! :D

A segunda, é uma longa história que passo a contar – estávamos nós sossegaditos a gozar a paz de Canchungo, quando abre um concurso para coordenador de uma ONG guineense, financiada pela União Europeia. Alguém nos reencaminhou o email achando que o perfil pedido era mesmo a cara do Miguel. Claro que ponderamos o assunto, mas achamos que estávamos bem e que talvez não fosse a altura certa para mudar. Mas a vida tem destas coisas e num fim-de-semana, em Bissau, o Miguel encontra um dos elementos da dita ONG, num café, que traz o assunto à baila e o aconselha a concorrer. Já tinha ouvido falar muito bem do Miguel e do seu trabalho (vejam só o meu orgulho!) e gostaria mesmo muito que o Miguel concorresse, que tinha o perfil ideal para o lugar, etc, etc, etc. O Miguel não se deixou seduzir imediatamente mas a verdade é que foi “namorado” dois dias seguidos e acabou por concorrer mesmo no último momento (já fora do prazo, na verdade!). A proposta era muito tentadora! E bem, o resto é fácil de imaginar – ficou entre os cinco seleccionados pelo CV, foi à entrevista pessoal (e houve entrevistas feitas em Portugal), e foi o seleccionado. Vocês esperavam outra coisa? :D

Já assinou contrato e começará funções em meados de Abril, depois de regressarmos de Portugal. E estamos ambos muito entusiasmados – um cargo de coordenação de uma ONG muito forte na Guiné, a Tiniguena; boas condições de trabalho; uma ONG local, o que sempre atraiu o Miguel; uma área de trabalho muito ligada aos estudos que ele acabou de fazer (o Marketing e a Gestão); o trabalho da Tiniguena, muito ligado aos pequenos projectos locais e muito na linha do micro-crédito, no qual nós acreditamos como solução para o desenvolvimento… O projecto em si chama-se “Kil ki di nôs tene balur” – o que é nosso tem valor! Bonito, não?

E é assim… lá vai o rapaz para Bissau, para a boa vida, e eu fico por cá, no interior, a sofrer as agruras do terreno! :D :D Claro que passaremos metade da semana juntos entre eu ir a Bissau e ele vir cá mas, teremos de nos desabituar a passar 24horas por dia juntos, o que, e podendo parecer estranho, nós adoramos. É o início de uma nova fase nesta nossa vida estilo “montanha-russa”. Uma coisa é certa – ficarmos aqui mais dois anos, a duração do contrato do Miguel. Eu não sei bem o que farei à minha vida no próximo ano, mas sem dúvida que ficarei por cá, pela Guiné.

Um abraço apertado e até muito breve! :D

Vejam lá se chamam o bom tempo para nós… já não sei o que é ter frio! :D