13/04/11

Kuma Ki bu Mansi? - parte I

Deixo-vos com o texto escrito pela Jacinta sobre a sua estadia na Guiné-Bissau. Aproveitem!

«Acho que nada melhor do que iniciar este breve apontamento sobre a minha 1ª experiência em África, com a frase que sai da boca dos Guineenses diariamente. E perguntam vocês “qual o significado?”Pois é, não é mais nem menos do que “Como é que amanheceste?”. Esta expressão é acompanhada de um sorriso e na maioria das vezes acrescido de um “Bom Dia”.Podemos ou não tornar o dia das pessoas mais bonito com um simples sorriso logo de manhã ao invés de uma “cara fechada”? Depois de muitos anos por terras Africanas, e após diversos convites da minha grande amiga Salete finalmente fui “VIVER” e “SENTIR” tudo aquilo que ela contava e escrevia sobre África. Agora percebo a dificuldade em explicar às outras pessoas o que é viver em África.


O turbilhão de sentimentos, sensações e experiências é intenso e os dilemas e contrariedades que se sentem são constantes e muitas vezes causadores de inquietude e desassossego. A Salete contou-me que numa das noites eu falei imenso a sonhar. O que vale é que ela não conseguiu perceber nada ;) A Guiné-Bissau foi o local de aterragem e só vos posso dizer “que embarque e que recepção!!!”O embarque, que demorou mais de 1 hora, foi marcado pelo desespero das hospedeiras com a quantidade de malas que não cabia nas bagageiras e que tiveram de ser despachadas para o porão. A recepção não poderia ser melhor :D. Autocarro à porta do avião para percorrer uns 30 metros e um conjunto de Guineenses a olhar fixamente e a demarcar as extremidades como que de um tapete vermelho. E o céu? Que luz intensa a das estrelas que mais parecia que sorriam para todos nós. No aeroporto, depois de muito tempo de espera pela mala, onde assisti a piruetas e passagens aéreas no tapete para resgatar malas, não escapei a uma bela “mexidela” na mala para ver o que trazia e como não poderia deixar de ser não me queriam deixar passar com a mala. Tive que argumentar bastante para conseguir sair. A Salete que me avistava pensou que teria que intervir mas não foi preciso. Logo de seguida senti o poder de um abraço. Sentir que os nossos portos de abrigo estão mais perto é um sentimento inexplicável. A aventura e a experiência começou de imediato...De jeep e com a janela bem aberta comecei a sentir o calor, as avenidas esburacadas, (aliás com crateras), o pó e o cheiro da Guiné Bissau. A Salete começou de imediato a explicar os locais por onde passávamos, mas confesso que não assimilei nada...estava ainda absorta a observar o ambiente nocturno, onde a electricidade não marca presença.

Chegadas à Cúria comecei de imediato a utilizar lanterna. Noite de pouco sono, mas de muita conversa. É tão bom sentir que apesar da distância, a conversa entre 2 amigas tem aquela continuidade natural... O dia amanheceu cedo com um belo banho de água fria, que no início se estranha mas depois não é mais do que um hábito. Ao pequeno almoço pude conhecer a Sónia, a jovem que ajuda os elementos da casa e que será a sereia do musical que a Salete e o Emanuel estão a preparar J. Muito eu me ri com estes dois...o Emanuel a quem eu desestabilizei tudo que ele faz tão direitinho (ai o Pensal!!!!) e que não é mais do que o explorador da casa.
A Salete, que coordena a verdadeira Agência de Viagens para amigos, preparou detalhadamente a minha estadia.Rumo a Mansoa numa 7 places, pude experimentar um dos transportes utilizados para viajar na Guiné. Este de luxo, pois a candonga é o mais utilizado pela “gente local”A maioria das viaturas está completamente bombardeada e destruída, sendo estas utilizadas acima da capacidade máxima. Nunca vi nada assim...se viram o filme “Gato Preto Gato Branco” então é mesmo isso. As carrinhas repletas de tralha no tejadilho e dentro uns em cima dos outros. O conceito de segurança não existe...se houver algum acidente morrem todos, na certa. Quando se está na Guiné não vale a pena pensar nisso, pois caso contrário não se sai da redoma.

Os meios de transporte são um dos aspectos mais caricatos da Guiné: as “toca toca” são os nossos autocarros, mas em carrinhas tipo Hiace pintadas de amarelo e azul, os táxis, as candongas e as 7 places.O táxi mais caricato que andei foi um forrado a pêlo tipo de peluche e um outro onde tivemos de pedir a maneta para abrir o vidro.Outro aspecto curioso é a rentabilização de um táxi que vai enchendo à medida que se dirige para um determinado destino e se cruza com pessoas que pretendem ficar na mesma rota. Mansoa é uma cidade pacata, onde o calor humano é intenso e as crianças sorriem e pedem para tirar “postal”. Comecei a ouvir chamar algo, ”Branco, branco”, que no início me incomodou mas que depois me fazia reagir brincando com a situação. Se algum branco pensa que pode passar despercebido pode esquecer. Parecemos umas lanternas :D.


O Carnaval na Guiné dura 4 dias. Bem, eu diria que a semana inteira, pois as escolas nos dias seguintes estavam a “meio gás”. Eu não sou, claramente, participante e entusiasta do Carnaval, mas confesso que este Carnaval despertou a minha atenção. Cada região elege o melhor Grupo para desfilar em Bissau. Comecei a sentir o espirito carnavalesco e os cheiros que no início me deixavam enjoada. Com os dias, a sensação foi passando e então depois da viagem de barco para Bubaque, no arquipélago de Bidjagós, o nariz ficou vacinado.Gostava de conseguir descrever os cheiros, mas era uma mistura tão grande e tão intensa...peixe fresco e seco, galinhas vivas, porcos, cabras, comida, vinho, o cheiro das próprias pessoas, muitas delas cansadas do trabalho, ...a essência que caracteriza o povo Guineense.

Bafatá era o novo destino a atingir de candonga que só parte se estiver repleta, considerando lugares sentados e não sentados. Com excepção das crianças que choraram porque viram 2 brancas, a viagem foi silenciosa a pensar no ambiente que me circundava e a admirar tamanha beleza natural. Pois é, a riqueza natural é incalculável. A paisagem marcada pelas planícies, cajueiros, arrozais e muita outra vegetação que torna o cenário deslumbrante. O mais ingrato é o comprimento das minhas pernas que não facilita as viagens. Algo curioso aconteceu enquanto esperávamos pela partida. Um Sr. viu que eu me ia sentar no chão e não me deixou pois achou que uma pessoa grande como eu só se podia sentar num banco. Ri-me à gargalhada pois encontrei alguém que me entende :D. Mentira...o Roberto com quem estive mede 2m e tem um problema bem maior que o meu ;)

Chegadas a Bafatá, a Mónica, amiga da Salete via FEC, levou-nos a almoçar e alojou-nos na casa que partilha com Guineenses e que é sem dúvida a que tem melhores condições da FEC.Bafatá é uma cidade incrível que me fascinou por todo o peso histórico que ela tem, mas ao mesmo tempo deixou um sentimento de revolta, por todos os investimentos efectuados que não têm utilidade para os residentes. De que valem piscinas sem água, mercados reabilitados mas longe do centro comercial da cidade? Pois é, o confronto com pequenas coisas como estas dão que pensar. Pelo menos o parque infantil, um pouco destruído, vai servindo para alegrar as crianças. Descemos ao final da tarde a grande avenida, que tem como vista final o imenso rio Geba, onde circulavam muitas crianças e onde descobri, à força pela Salete, que o “caju” que eu conhecia era a “castanha de caju”. Vivi estes anos enganada...como é possível !? A situação foi tão caricata..O circuito pela cidade foi muito relaxado e o jantar mais ainda.»