04/02/11

Notícias de Bissau/Mansoa I

uma primeira palavra para pedir perdão pelo meu silêncio, felizmente sentido por vários amigos que me interpelam em diversos estados de preocupação e zanga :D

a verdade é sempre a mesma – muito trabalho!

mas também tenho a certeza que sabem que silêncio não é sinónimo de esquecimento! e não é mesmo!

o mês de janeiro voou... o que é obra na guiné!
neste momento estou em mansoa, meu local de base nestes quatro meses entre janeiro e abril, uma vez que estou a dar formação e a acompanhar os jornalistas da antena da rádio sol mansi, aqui em mansoa, onde a rádio nasceu, como rádio comunitária, há dez anos.

aqui é tudo muito mais calmo, sem os stresses de bissau. vive-se muito mais a interioridade que eu experimentei em canchungo. não é fácil estar sempre a começar relações em sítios diferentes, e isso custa-me um pouco. mal acabo de criar uma rede de relações (mais ou menos intensas) lá estou eu a mudar outra vez de local! e em mansoa tenho ainda outra agravante, não tenho equipa, estou mesmo sozinha – vivo sozinha e devo ser a única cooperante a trabalhar na cidade… o que me salva são os jornalistas da rádio, onde acabo por passar quase todo o dia!
um dia destes fui ao mercado comprar fruta e uma senhora na rua estava a vender laranjas descascadas (tem muita saída aqui pois basta pegar e chupar, assim já se mata a sede e engana-se a fome). eu queria uma para comer no momento mas queria também levar para casa. ela só vendia laranjas descascadas – três por 100 francos (15 cêntimos). pedi então à senhora que me vendesse laranjas ainda por descascar senão as outras iriam estragar-se. após alguma resistência, ela fez-me esse favor mas estava com dificuldade em fazer o preço pois como não descascaria duas, teria de me fazer preço mais barato… e nenhuma de nós tinha troco… claro que eu não me importei nada, afinal ela estava a fazer-me um favor, a estragar o negócio dela (que tira lucro em as descascar), claro que insisti para lhas comprar pelo preço das laranjas descascadas! mas a verdade é que a senhora não me queria deixar fazer isso… depois de muita insistência, eu lá lhe dei os 100 francos e peguei nas três laranjas (uma descascada e duas por descascar), agradecendo e querendo vir embora. ela abriu-me a saca e meteu mais uma por descascar… eu estava parva com a situação… andamos sempre preocupados que nos enganem por sermos brancos, sobretudo em bissau, e depois acontecem cenas destas que nos deixam totalmente sem palavras…
as maravilhas do interior!
na guiné os dias 20 e 23 de janeiro são feriado – dia 20 por ser o dia da morte de amílcar cabral (é incrível como nenhum dos heróis das independências dos palop morreram de morte natural…), dia 23 por ser o dia dos combatentes. como aqui os feriados que calham ao domingo passam para segunda feira, tivemos um fim-de-semana grande. aproveitamos para ir dar uma volta ao sul do senegal, a uma zona de praias muito bonita, cap skirring.
alugamos uma 7 places e fomos com uns amigos. cinco horas de viagem… mas foi muito bom! interessante verificar como o senegal sabe aproveitar os recursos para o turismo, e a guiné, exactamente com a mesma costa, não tem nada preparado… a falta de oferta na guiné faz ainda com que os preços das coisas mais ou menos turísticas subam imenso enquanto no senegal tudo é muito mais barato devido à concorrência.

ficamos num hotel mesmo em cima da praia, num estilo meio “hippie”. o forte destas zonas são pessoas já com alguma idade, geralmente reformados, que vêm curtir o sol africano nos meses frios da europa! :D são esses e os cooperantes europeus na guiné que vão aproveitar aquilo que é difícil de fazer na guiné… turismo! tropeçamos nuns quantos conhecidos de bissau que também tinham tido a mesma ideia!
O areal enorme deu para uma caminhadas, o atlântico aqui é mais generoso na temperatura, o ar “tropical” tem a sua graça… até as vacas gostam de aproveitar o sol por aqui!

no regresso à guiné, na fronteira do senegal, onde nos revistam as malas tirando tudo o que lá está, meticulosamente (haviam de ver a cara do polícia a verificar o estojo dos medicamentos do miguel… achou que ele era um potencial traficante!! :D é um pouco hipocondríaco o meu rapaz!), apercebemo-nos que faltava a minha mala… só eu!! eu achei que o miguel a tinha posto no carro e ele achou que eu a tinha levado (tudo isto porque decidi ir à casa de banho no minuto de sair)… ou seja, a mala ficou em cima da mesa, no hotel! como tudo tinha boa onda, lá liguei eu para o hotel (já estávamos a três horas do hotel e voltar para trás não era hipótese pois a fronteira fecha…) a perguntar se tinham visto a minha mala. simpatia, claro! já a tinham guardado e esperavam que alguém voltasse para a buscar. pedi que a guardassem… não sabia quando voltaria! o tipo da 7 places, o motorista que nos levou e nos foi buscar, prontificou-se a passar lá da próxima vez que tivesse algum trabalho para o senegal… e pronto! como eu digo sempre, apesar de nada parecer exequível, não há nada que não tenha solução na guiné… passado nem uma semana lá estava o gibril a bater-me à porta com a minha mala, em perfeitas condições e sem que lhe faltasse nada! e esta?? :D

mas antes de partirmos para cap skirring, sábado, às 8.30 da manhã, lá estávamos nós na embaixada, como bons emigrantes, a cumprir o nosso dever cívico nas eleições presidenciais!

eu e a ana poças temos aproveitado todos os concertos que passam por cá - super mama djombo, manecas costa & narf, eneida marta, dulce neves... estamos umas craques em música guineense!

penso que já terei falado antes sobre o concerto de ano novo. eu e o emanuel, um colega que mora no mesmo “aldeamento” que nós, tínhamos sentido falta dos concertos de natal, da música natalícia. entre cozinhados e corredores, lá nos decidimos a organizar qualquer coisa dessas. mandei uns emails para as diversas ongs em bissau, para embaixadas e outras instituições, falei com o padre da catedral de bissau, contactamos o coro da catedral e metemos mãos à obra. conseguimos juntar cerca de 20 pessoas interessadas, o que para o ambiente de bissau (um pouco separatista, cada grupinho com as pessoas da sua organização) não foi nada mau! com o pessoal guineense do coro da catedral éramos cerca de 35 pessoas! escolhemos um repertório natalício com peças em diferentes línguas e começamos os ensaios em dezembro, continuamos depois de todos retornarmos das férias de natal e foi um processo muito intenso! entre zangas pelos atrasos, dificuldades em ler as letras estrangeiras (o alemão e o inglês foram um quebra-cabeças para os guineenses), stresses por causa das faltas e pela responsabilidade, momentos de arrepiar a pele pela beleza e mistura de estilos… foi uma fantástica experimentação do estilo fusão! no adeste fideles decidimos começar de uma forma muito clássica, com órgão e todo o coro a cantar muito certinho. após a primeira estrofe, o órgão pára e entra o batuque a marcar o ritmo, tudo começa a dançar e a música transforma-se… estou a escrever a sentir a pele toda eriçada! escusado será dizer que o concerto foi um sucesso – a catedral estava cheia… devemos salientar que não há actividades culturais deste género em bissau, e com “este género” quero dizer concerto com corais e que misturem as diferentes populações de bissau (guineenses, cooperantes, missionários, emigrantes de diversas nacionalidades…). o coro estava entusiasmadíssimo e isso passou para o público! o espiritual negro “go tell it on the mountain” (ou não tenha este estilo musical raízes africanas!) foi um sucesso, tivemos de o repetir a pedido do público! no final do concerto, quando cantamos o “natal dos simples”, ninguém nos queria deixar acabar. todo o público já cantava de pé “vamos cantar as janeiras… pam-pa-ra-ra-ri-ri, pam-pa-ra-ra-ri-ri, pam-pam-pam-pam”… :D tivemos de fazer vários encores! eu dirigi e fartei-me de dançar! nada ortodoxo mas muito, muito emocionante! :D foi um dos momentos altos da minha vida, completamente inesquecível!

os pedidos para esta experiência continuar chovem de todo o lado e várias pessoas vieram já oferecer-se para cantar connosco! vamos a ver… a minha estadia em mansoa não ajuda muito… a ver se conseguimos um dia de ensaio que seja possível para conjugar com todos.

a guiné tem isto de bom – é tão pequena, tem tanta falta de tudo e uma abertura tão especial que tudo é acolhido de uma forma única e extremamente sentida! e depois os contactos são tão próximos… imaginem que estavam presentes pessoas da embaixada, coordenadores de várias ongs, etc… foi um momento de grande comunhão!

para terminar, fica um episódio hilariante!
ontem vim para mansoa e como o nosso jipe tem um problema numa peça (o que acontece todas as semanas…) tive de vir em transportes públicos. para mansoa não é fácil apanhar 7 places, há poucas, então tive de vir de candonga (carrinha tipo hiace) onde cabe sempre mais um. esperei cerca de 45 minutos para que enchesse (e encher significa até não caber mesmo mais nada… viemos cerca de 20 pessoas na carrinha!)e lá iniciamos a nossa viagem! como tinha ido levar o miguel ao aeroporto e esperado por uns amigos que vieram de portugal visitar a guiné só tinha dormido quatro horas e acabei por adormecer (perdi a minha esquisitice de não dormir com luz, em viagens e em posições desconfortáveis… agora durmo em todo o lado, com o sol a bater-me de frente, se for preciso, e em qualquer posição!). acordei quando já estávamos perto de mansoa, com uma grande confusão, muitas vozes e muita discussão. espreitei da candonga e vi o motorista da nossa candonga a ter problemas com a polícia que lhe estava a pregar um valente sermão, entre voz alta e muitos gestos. percebi que deveríamos estar com problemas de documentos… quando olho melhor percebo que a polícia era uma senhora a quem eu, de vez em quando, dava boleia para mansoa. ela mora em bissau e vem todas as manhãs trabalhar para jugudul. como eu desde outubro venho todas as quintas gravar o meu programa a mansoa, acabei por encontrá-la várias vezes e comecei a dar-lhe boleia. ficamos amigas! :D
nem penso e decido sair para cumprimentar a deolinda, talvez ela ficasse mais disposta por me ver :D mal me viu, esqueceu o motorista e deu-me um grande abraço, perguntando-me de onde eu tinha saído que ela não tinha visto o meu carro passar. eu explico-lhe que tinha vindo naquela candonga, pois o meu carro estava avariado. ela abriu um sorriso e deu um grande aperto de mão ao motorista, dizendo-lhe “só por causa da minha amiga vir consigo é que lhe perdoo. vá lá embora” e ficamos as duas na cavaqueira, marcando boleia para a próxima terça feira. quando regresso à candonga todos me sorriram como se eu lhes tivesse salvo a vida!!
o motorista, então, não sabia como me agradecer!! disse-me que sempre que eu quisesse vir para mansoa lhe ligasse que ele me arranjava um lugar na frente!! :D :D
ehehehehe….


VIVA A GUINÉ!!!!